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Vendaval

O vento soprava com força naquele final de tarde, carregando o cheiro úmido das folhas e do asfalto lavado que há anos Leonardo esquecera. Ele estava de volta. Vinte anos depois, voltava para a cidade no nonagésimo aniversário de sua avó. A paisagem era quase a mesma, mas ele sabia que não era: o tempo havia deixado suas marcas invisíveis nos prédios, no chão e nas próprias lembranças que o assombravam. Cada passo sobre o pavimento irregular era um eco de uma infância que agora mais parecia um sonho distante — ou uma sombra persistente, lembrando-o de tudo que a vida lhe fizera perder.

O antigo fliperama surgiu em seu horizonte como um museu intencionalmente esquecido. A fachada de vidro estava opaca pela poeira e pouco deixava transparecer de seu interior, o letreiro de neon piscava com um ritmo cansado, mas ainda teimoso. A porta dupla rangeu empurrada, expelindo uma onda de ar quente e abafado sobre seu rosto. O cheiro era uma impressão digital do passado: mofo, circuitos antigos, couro gasto e o perfume adocicado de moedas velhas. Cada respiração era uma viagem em suas memórias, embora o silêncio fosse — para Leo — uma lembrança incontestável e impiedosa da passagem do tempo. 

Com celulares e serviços de streaming, era um milagre um estabelecimento como aquele permanecer aberto. Milagre esse que não esperaria em outro lugar que não em sua minúscula cidade natal, mas ainda assim se entristecia ao lembrar da alegria que cada uma daquelas máquinas o proporcionara, da quantidade de amigos que fizera e especialmente do tempo e do dinheiro investido em um de seus hobbies favoritos durante a infância.

No canto do cômodo, como sempre — imóvel e silenciosa —, estava a máquina de Pac-Man. Não era original, e sim uma versão modificada pelo antigo dono, de maneira que os jogadores pudessem manter o registro de suas jogatinas — aumentando incrivelmente o lucro em cima da mais pura competitividade infantil. As iniciais no topo da tela ainda brilhavam, firmes e intocadas: GAEL. Uma infância inteira comprimido em quatro letras. A memória do garoto atingiu-o como um soco no estômago. Veio à tona o jeito que seu amigo empurrava o cabelo para trás, a mancha de tinta azul em sua mochila, o código secreto que usavam para se cumprimentar... Ele se apoiou no balcão, sem fôlego. O garoto que partira sem explicação, deixando para trás apenas uma casa vazia e um coração cheio de perguntas.

Leonardo não era assumidamente gay. Durante anos, inclusive, escondeu-se atrás de relacionamentos heterossexuais, tentando esquecer o que sempre fervilhara em silêncio dentro do peito. Mas ali, sob a luz mortiça do neon roxo e azul, com o entardecer tingindo o céu lá fora, tudo voltou à tona. Cada sentimento engolido, cada olhar desviado, cada verdade calada.

Trocou moedas por fichas — agora mais caras e desgastadas, como ele. O simples ato de segurá-las ainda trazia um conforto familiar. Sentia-se pronto para repetir o seu ritual: sentou-se diante da máquina. Seu objetivo nunca era chegar ao topo; era visitar o segundo lugar, honrar a pontuação sagrada de seu amigo, e seguir em frente. Desde a partida soturna do garoto, Leo fazia questão de manter intacta a sua lembrança, para que — em dias como aquele — ele pudesse voltar à mesma máquina e lembrar dos velhos tempo. 

Calmamente, então, e apreciando cada segundo, encaixou a ficha. Um clique surrado. 

O primeiro fantasma — Blinky, o vermelho — o cercou. Desviou por um triz, e o movimento brusco o arremessou para outro devaneio: o dia em que ele e Gael correram da chuva, encharcados e rindo, refugiando-se sob a marquise do próprio fliperama já fechado, ombro a ombro, o calor de um corpo no outro sendo o único escudo contra o frio. Naquele tempo, ele ainda não fazia ideia dos sentimentos que germinavam silenciosamente, mas hoje, relembrando, um leve sorriso lhe escapou pelos lábios.

Ele seguiu coletando uma fileira de pontos. O "waka-waka" era hipnótico. Cada glifo amarelo consumido era um fragmento de outra tarde: a primeira vez que nadaram juntos no riacho nos arredores da cidade. A água gelada, o sol quente na pele, a visão de Gael mergulhando e surgindo mais adiante, sacudindo o cabelo molhado e gritando "Vem!" com um sorriso magnífico em seu rosto. A correnteza o arrastando levemente e a mão de seu amigo, firme, puxando-o para a segurança da margem.

A pílula power piscou. Ele a engoliu com o joystick, e de repente, era ele quem perseguia os fantasmas. A coragem súbita tinha o sabor do suor e do cloro. Foi na piscina pública da cidade, num sábado abafado. Eles jogavam uma partida de pega-pega aquático, e ele, encurralado na borda, riu sem fôlego enquanto Gael se aproximava com um sorriso trapaceiro. Era a chance perfeita para uma investida brincalhona, mas Gael não o empurrou. Em vez disso, parou à sua frente, a água pingando de seu cabelo escuro. O barulho ensurdecedor das crianças ao redor pareceu se abafar. O sorriso de seu amigo se suavizou. Seus olhos, sérios de repente, fixaram-se nos dele. Ninguém se mexia. A água balançava entre seus corpos, tocando-os e os conectando. Era um momento de pura, crua e incontestável verdade. Eles sabiam. Sabiam que aquilo era diferente. Sabiam que o que havia entre eles não cabia na palavra "amigo". O olhar durou uma eternidade — um pacto não assinado, uma confissão não dita. Então, os respingos de alguém que pulou na piscina quebrou o feitiço. Gael desviou o olhar, mergulhou e desapareceu na água turva. A tensão se dissolveu, mas a verdade daquele silêncio ficou pairando, mais pesada e mais real do que qualquer palavra que poderiam ter dito. O poder da pílula acabou. Os fantasmas recuperaram a cor e se dispersaram. A perseguição recomeçou, mas ele já não conseguia se concentrar, preso naquele labirinto subaquático de um quase adeus.

O próximo power-up piscou, uma nova pílula de coragem. Ele a pegou, e os fantasmas fugiram, azuis e vulneráveis. Desta vez, o poder momentâneo tinha o gosto agridoce daquela noite de verão na casa da árvore. Já era tarde, cada um em um colchão improvisado por cobertores no chão frio. Gael tinha certeza que seu amigo estava dormindo. O beijo foi rápido, um pressão de lábios secos e leves contra o outro, um segredo sussurrado no escuro. Leo não se moveu, o coração batendo como um pandeiro desesperado dentro do peito, preservando aquele frágil momento para sempre em sua memória.

Os fantasmas retomaram sua coloração. A perseguição recomeçou, mais feroz. O labirinto apertou. Os corredores pixelados se transformaram nos corredores vazios da casa de seu amigo na semana seguinte ao beijo. A porta entreaberta. Os cômodos vazios. A poeira já assentando sobre o lugar onde os móveis estiveram. O silêncio ensurdecedor que o engoliu inteiro. Ele correu de lá — lágrimas sobre o rosto —, e o mundo nunca mais pareceu sólido sob seus pés.

Pac-Man manobrou desesperadamente, encurralado. Perdeu uma vida. O tom grave ecoou na sala vazia. A última vida. 

A música acelerou. Era agora ou nunca: ele se moveu por instinto, os dedos agindo sozinhos, a mente um turbilhão de luz e som. Cada curva era um beco da infância. Cada fantasma, um valentão com um sorriso torto. E então, a memória final, a que seu coração sempre recorria: os alunos do segundo ano o encurralando após a escola, a chegada inesperada de Gael, não com os punhos cerrados, mas com uma autoridade silenciosa que os fez recuar. E depois, a mão firme no seu ombro, o abraço que não era de despedida, mas de chegada. A mão de Gael acariciando a sua nuca, puxando-o para o seu peito, um gesto de proteção tão absoluta que, por um instante, ele realmente acreditou que nenhum mal no mundo poderia alcançá-lo. Era ali, naquela fortaleza de dois, que ele sempre quis viver.

De repente, o som grave da morte. Silêncio. A tela piscou, pedindo um nome. O jogo havia terminado e Leo não apenas quebrara o ritual — ele obliterara o recorde.

Ele parou. Ofegante. O coração batia com a força daquele abraço. As mãos tremiam exatamente como naquele dia, não de medo, mas de uma emoção avassaladora que nunca tinha nome. A visão turvou. Uma única lágrima quente escorreu por sua face, traçando o caminho do beijo fantasma de Gael.

E então, como se o próprio vento do lado de fora sussurrasse a resposta em seu ouvido, a memória irrompeu com uma clareza dolorosa: o dia em que terminaram de construir a casa na árvore. Gael, sério como um profeta, pegara a faca e gravara suas iniciais na viga mestra, mas não como dois nomes separados. Ele as entrelaçou, criando um único símbolo: GALE.

"É o nosso vendaval", ele disse, o olhar brilhando de convicção. "Um vendaval que vai proteger a fundação do nosso santuário. Para sempre."

 

Na época, Leo achara que era apenas mais uma das fantasias grandiosas do amigo. Agora, tantos anos depois, ele entendia. Era uma promessa.

Ele respirou fundo, o ar preso no peito como um segredo que finalmente fazia sentido. E com dedos que agora encontravam a firmeza daquela mão em seu ombro — a mão que um dia entalhou seu destino na madeira —, ele cumpriu a promessa. Digitou as quatro letras que sempre foram a verdadeira senha daquele lugar: GALE.

Lado a lado. Gravados não só na memória da máquina, mas na eternidade daquele lugar. O vendaval, finalmente, assumia seu posto.

A máquina piscou, confirmando o novo recorde. Para o mundo, era uma pontuação. Para ele, era a declaração de amor tardia que sempre estivera lá, marcada numa viga, esperando por ele voltar para casa.

Ao levantar-se, a luz do fliperama refletiu em seus olhos úmidos. Ele sentiu o peso da cidade, da infância, do amor não vivido. Caminhou até a porta e respirou o ar frio da rua. Por um instante absurdo, quis acreditar que Gael apareceria do outro lado, sorrindo, como se duas décadas tivessem sido apenas um intervalo entre duas jogadas.

Mas sabia que não. Mesmo assim, uma paz estranha o invadiu, serena e melancólica. Ele entendeu, finalmente, que algumas ausências não são vazios, mas espaços sagrados onde a memória e o amor coexistem: labirintos infinitos de luz e sombra. E naquele fliperama, com a tela suavemente piscando, eles estariam juntos para sempre.

Em algum jogo. Em algum labirinto. Guardados para sempre nos pixels e no que restou de seu coração.

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©2022 por Dżejk Obleszczuk

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